Minha mulher havia acabado de ganhar nossa filha e não queria que eu saísse no Carnaval. Estava deitada dando de mamar com uma cara de leoa, pois sabia que o Rei Momo já tinha recebido a chave da cidade.

– Neguinha, vou ali e já volto.

– Aonde!?

– Vou ali comprar umas fraldas…

– Já comprei semana passada. Tem um estoque para duas semanas.

– Que bom! Mas preciso comprar uma cervejinha para assistir a TV.

– Também comprei, neguinho. Coloquei na geladeira, no freezer e no isopor.

– Isso sim que é mulher! Tudo bem, vou ali na padaria comprar pão, tudo bem?

– A padaria está fechada. Minha mãe fez pão de forma que dá pra gente comer toda a semana.

– Adoro minha sogra! Que bom que lembrou da gente.

– Além disso ela fez o favor de trazer tudo para que a gente passe a semana todinha juntinhos.

– Material de limpeza?

– Comprou.

– Carne para o churrasco.

– Freezer.

– As contas de casa.

– Todas pagas.

– Papel higiênico.

– Rolos para um ano.

– Remédios

– Se tivermos uma emergência ela se prontificou em comprar na farmácia perto da casa dela.

Percebi a defesa intransigente e resolvi mudar a abordagem:

– Como agente cultural, entusiasta da tradição de nosso povo, preciso vivenciar esta festa identitária que nos traz o sentimento de pertencimento.

– Festa!?

– Sim, mas o mais importante é a identidade, o patrimônio imaterial. Além disso, o Carnaval é uma manifestação da música popular e sou produtor musical. É uma necessidade profissional que eu presencie a música, a dança…

– A dança das mulheres!?

– Larga de ser ciumenta, mulher! Eu iria dizer sobre a dança no meu bloco Filhos de Gandhy. Aquela magia ancestral, entendeu?

– Sei… aquele bloco que cada colar vale um beijo!?

– Ave Maria! Só quem faz isso é homem sem compromisso, neguinha. Além da música e da dança tem a questão turística, pois você bem sabe que nossa empresa de transportes necessita desses contatos com turistas.

– As turistas!?

– A palavra “turista” serve tanto para homem, quanto para mulher. Mas tudo bem! Podemos chamar de gringos. Não se preocupe, neguinha… eu sou seu. A confiança é base para um relacionamento. Te amo.

Não preciso dizer que passei o Carnaval trocando fraldas.

Foto: Boko Shots

14 respostas

  1. Texto leve com uma generosa pitada de humor. Todas nós somos iguais; só diferem os endereços. Adorei!!! 👏👏👏👏😘

  2. Parabéns pelo Carnaval em Família! Deixe para ir curtir o Carnaval de Rua em 2026, se a Família não aumentar……

  3. Rir é muito bom e rir de se mesmo dentro do seu infinito cotidiano é a arte de viver bem que os poetas utilizam para pintar seu auto retrato em serenas palavras. Muito bom meu querido amigo!!!

  4. Legal, Paulo. Uma crônica leve e deliciosa. Pois, nessas circunstâncias,me fale da sua mulher,que falarei daminha. Então haveremos de concordar que são iguais. Uma pela outra e não quero volta.
    Abraços

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