A Montanha das Montanhas
Como alpinista, meu sonho sempre foi escalar a montanha mais difícil. Era um desafio de superação física extrema e ao mesmo tempo uma aventura interior. Quando estava nos terrenos isolados das cordilheiras, conseguia ouvir meus pensamentos mais silenciosos. Podia olhar com mais clareza meus problemas e tatear possíveis soluções. Farejava minhas falhas nos rastros deixados, degustando aquele momento de natureza infinita que revelava a minha pequenez. O clima inóspito na base da montanha não era comparado ao da subida e muito menos do cume. Por isso aproveitava o caminho até o primeiro acampamento – de oito a nove dias de caminhada – para trocar experiências e aprender com aqueles que estavam a mais tempo subindo aquela montanha perigosa. Nesta fase, as únicas ferramentas eram os dois bastões que facilitavam a caminhada. Existiam riscos, como as fendas abissais que eram escondidas pela neve. Aqueles que desistiam antes do primeiro acampamento eram chamados de MP – Mortos Prematuros. Diferente das outras montanhas que já havia escalado, aqui não havia água potável ou alimento nativo.
Na primeira subida, ainda não tão íngreme, os bastões de caminhada ajudavam a redistribuir o peso do material que levamos na mochila. Segurava-os firme como para espantar o pensamento do que ainda poderia enfrentar acima: nevascas, rompimentos de gelo e risco constante de avalanche.
Chegando no primeiro acampamento era hora de tomar uma decisão importante, que poderia mudar completamente nosso destino. Por onde seguir? Seguir pelo caminho leste da montanha ou pelo aclive rochoso? Todos os trajetos eram difíceis, mas uma escolha errada poderia representar o fim da tentativa da escalada. O clima deste ano não favorecia e o tempo era um dos inimigos.
No paredão rochoso muitos desistem e outros resolvem tentar uma outra subida. Os bastões de caminhada ali não eram mais utilizados e a maioria deixava-os para trás. Os obstáculos, o cansaço e a dúvida do clima dificultavam ainda mais a subida que não era fácil para ninguém. Meus companheiros de jornada questionavam se tinha realmente sido a melhor escolha. A respiração já precisava de um maior esforço e o frio congelava tudo o que estivesse descoberto.
Na chegada do segundo acampamento, muitos festejam a primeira vitória. A união de pessoas de outros grupos é muito comum, o que fazia crescer a caravana e ter um pouco mais de apoio em todos os momentos. Porém, outros decidiam que até ali estava ótimo e desistiam de enfrentar a parte mais difícil. Diferentemente do que a maioria das pessoas imagina, chegar ao topo não é o mais importante numa escalada. O mais importante é o caminho até lá. É quando refletimos e superamos a nós mesmos de forma constante.
Na chegada ao cume, os sobreviventes observam serenos a paisagem ao redor. Lembram de todo o trajeto e ficam felizes por terem chegado até lá, mesmo com tantas perdas e dores.
A velhice com boas memórias é a recompensa de uma escalada segura e firme. A infância apoiada pelos pais, as decisões que precisamos tomar na adolescência, a união e formação de uma família amorosa, as superações financeiras, os amigos que ficaram para trás, mas que marcaram uma fase da subida, são momentos que ficam marcados para sempre em nossa alma.